Para um político, o que dá mais voto? Construir obras visíveis à população ou investir na segurança, educação e qualidade de vida das pessoas no trânsito? Eis aí uma questão a se pensar para tentar explicar o abismo entre o discurso de campanha e as realizações de governo. O Código de Trânsito já vai sair da adolescência com seus 18 anos, a municipalização é obrigatória, mas somente cerca de pouco mais de 20% dos 5.570 municípios brasileiros se integraram ao Sistema Nacional de Trânsito. Qual será a causa de uma adesão tão baixa em um país que, em números absolutos, é o 4º que mais conta mortos e feridos no trânsito?
Será porque investir na segurança e na educação das pessoas para o trânsito não dá voto? O que convenceria mais o eleitor: ter construído tantas creches, tantos ambulatórios e ter pavimentado tantas ruas ou ter evitado significativamente muitos acidentes, mortos e feridos no trânsito da cidade?
Na hora de decidir um projeto importante, para onde será que o orçamento será destinado? Para uma obra física, visível, ou para um Programa de Humanização do Trânsito na cidade?
O fato é dos municípios brasileiros integrados ao SNT nem todos têm uma estrutura adequada para o órgão executivo de trânsito, agentes de trânsito e Escola Pública de Trânsito. Muitos destes órgãos executivos estão atrelados às Secretarias de Obras nos municípios, numa associação de que trânsito é só o motorizado e sinalização em via pública. Há municípios em que a equipe do órgão executivo de trânsito é formada somente pelo funcionário comissionado que comanda a pasta e a si mesmo.
Naqueles com Escolas Públicas de Trânsito, são poucos os casos que conseguem implantar Programas de Humanização do Trânsito, e ao longo do ano têm de realizar ações educativas e preventivas de pires na mão, pedindo doações à iniciativa privada para bancar a mini pista educativa, o teatro de fantoches ou as palestras nas escolas. A verba da arrecadação com multas que deveria ir para a Escola Pública de Trânsito sequer chega.
No país em que morre mais pessoas no trânsito do que em guerras no Oriente Médio, na hora de escolher o titular da pasta de Trânsito na cidade, quase sempre os indicados não têm formação e conhecimentos em trânsito. São amigos de políticos eleitos, indicados por colegagem, coligações ou partidos. Nunca abriu o CTB. Resoluções, Portarias e outros documentos do Contran então, nunca viu. Não conseguem compreender os fenômenos produzidos no trânsito e aguardam as datas comemorativas como Maio Amarelo e Semana Nacional de Trânsito para dizerem que estão fazendo alguma coisa.
Mas, se trânsito não dá voto, porque tem de ser cargo comissionado, fruto de barganha política e ter status de cargo de confiança? Porque não se faz concurso público de provas e títulos para ocupar cargos técnicos e de gestão na área de trânsito? Não estaria o titular a serviço do chefe majoritário da cidade tal como os comissionados?
Quase sempre quando se chega a uma prefeitura com a proposta de um Programa de Humanização do Trânsito em que trabalhe de forma orgânica, sistêmica e contextualizada os profissionais das pastas de Trânsito, Planejamento, Saúde e representantes da sociedade civil organizada para planejar e executar políticas públicas específicas, não tem verba. Mas, será que a verba necessária não está indo para custear as consequências dos acidentes, mortes e sequelas no município?
Por outro lado, quando se fala em ações para tornar o trânsito seguro nas cidades, ainda que os três pilares para o trânsito seguro sejam Engenharia, Educação e Fiscalização (Enforcement), é o pilar da fiscalização que aguenta todo o peso da estrutura. Educação Para o Trânsito? Quase nunca tem verba, mesmo que a arrecadação com multas seja alta. Engenharia? Sai caro, é demorado aprovar projetos e os financiamentos estão cada vez mais difíceis de se conseguir. Pelo menos, esta parece ser a desculpa de sempre.
Por outro lado, não é novidade que o governo federal tem aplicado anualmente menos de 20% dos recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset) para a sua real finalidade: as campanhas de conscientização dos motoristas em todo o país. Esse fundo é formado pelo repasse ao governo federal de 5% do valor arrecadado com multas em cada município. Segundo a ONG Contas Abertas, quando calcula o orçamento para o fundo, a equipe econômica já estabelece o percentual que ficará represado e está usando o dinheiro para outro fim: reforçar a poupança feita pelo governo para pagar os juros da dívida pública, a conta do chamado superávit primário.
E assim, a vida segue sendo atropelada nas cidades cujos gestores continuam contando os mortos, os feridos e pagando a conta da acidentalidade. Será este o (alto) preço que a sociedade paga porque trânsito não dá voto? Ou só mais uma ilação em busca de respostas para tentar entender porque a segurança das pessoas no trânsito nunca é tratada como prioridade pelos governantes em todas as esferas de governo?